Saartjie
"Sarah" Baartman (1789-1815) foi a mais famosa de, pelo menos, duas
mulheres hotentotes usadas como atrações secundárias de circo na Europa do
século XIX sob o nome de Vénus Hotentote.
Saartjie
Baartman nasceu no seio de uma família khoisan no vale do rio Gamtoos, na atual
província do Cabo Oriental, na África do Sul. Esta é a forma africânder do seu
nome, cujo original é desconhecido. Saartjie (que se pronuncia “Sarqui”) pode
ser considerado equivalente ao português “Sarazinha”.
Saartjie
era criada de servir numa fazenda de holandeses perto da Cidade do Cabo.
Hendrick Cezar, irmão do seu patrão, sugeriu que ela se exibisse na Inglaterra,
prometendo que isso a tornaria rica. Lord Caledon, governador do Cabo, permitiu
a viagem, embora tenha lamentado tal decisão após saber o seu verdadeiro
propósito.
Saartjie
foi para Londres em 1810 e viajou por toda a Inglaterra exibindo as suas
dimensões corporais «inusitadas» (segundo a perspetiva européia), o que levou à
opinião generalizada de que estas eram típicas entre os hotentotes.
Mediante
um pagamento extra, os seus exibidores permitiam aos visitantes tocar-lhe as
nádegas, cujo invulgar volume (esteatopigia) parecia estranho e perturbador ao
europeu da época.
Por
outro lado, Saartjie tinha sinus pudoris, também conhecido por “avental”, “cortina
da vergonha” ou “bandeja”, em referência aos longos lábios da genitália de
algumas Khoisan. Segundo Stephen Jay Gould, “os pequenos lábios ou lábios
internos dos genitais da mulher comum são extremamente longos nas mulheres
khoi-san e podem sobressair da vagina entre 7,5 e mais de 10 cm quando a mulher
está de pé, dando a impressão de uma cortina de pele distinta e envolvente”
(Gould, 1985). Em vida, Saartjie nunca permitiu que este seu derradeiro traço
fosse exibido.
A
sua exibição em Londres causou escândalo, tendo a sociedade filantrópica
African Association criticado a iniciativa e lançado um processo em tribunal.
Durante o seu depoimento, Sarah Baartman declarou, em holandês, não se
considerar vítima de coação e ser seu perfeito entendimento que lhe cabia
metade da receita das exibições. O tribunal decidiu arquivar o caso, mas o
acórdão não foi satisfatório, devido a contradições com outras investigações,
pelo que a continuação do espetáculo em Londres tornou-se impossível.
No
final de 1814, Saartjie foi vendida a um francês, domador de animais, que viu
nela uma oportunidade de enriquecimento fácil. Considerando que a adquirira
como prostituta ou escrava, o novo dono mantinha-a em condições muito mais
duras. Foi exposta em Paris, tendo de aceitar exibir-se completamente nua, o
que contrariava o seu voto de jamais exibir os órgãos genitais. As celebrações
da reentronização de Napoleão Bonaparte no início de 1815 incluíram festas
noturnas. A exposição manteve-se aberta durante toda a noite e os muitos
visitantes bêbados divertiram-se apalpando o corpo da indefesa mulher.
Foi
depois exposta a multidões, que zombavam dela. Era alvo de caricaturas, mas
chamou também o interesse de cientistas e pintores. O anatomista francês
Georges Cuvier e outros naturalistas visitaram-na, tendo sido objeto de
numerosas ilustrações científicas no Jardin du Roi.
O
corpo foi totalmente investigado e medido, com registro do tamanho das nádegas,
do clitóris, dos lábios e dos mamilos para museus e institutos zoológicos e
científicos.
Com
a nova derrota de Napoleão, o fim do seu governo e a ocupação da França pelas
tropas aliadas em junho de 1815, as exposições tornaram-se impossíveis. Saartje
foi levada a prostituir-se e tornou-se alcoólica. Morreu em dezembro de 1815,
ao cabo de 15 meses em França. Como causa da morte, foram aventadas várias
hipóteses: varíola, sífilis ou pneumonia.
Legado
Saartjie
Baartman morreu a 29 de Dezembro de 1815 de uma doença inflamatória. Para não
ter de pagar o enterro, o domador de animais vendeu o cadáver ao Musée de
l'Homme (Museu do Homem), em Paris, onde foi feito um molde em gesso do corpo.
Os resultados da autópsia foram publicados por Henri de Blainville em 1816 e
por Cuvier em Mémoires du Museum d'Histoire Naturelle em 1817. Cuvier anotou,
nessa monografia, que Saartjie era uma mulher «inteligente, com excelente
memória e fluente em holandês». Além do molde em gesso, o esqueleto, os órgãos
genitais e o cérebro, conservados em formol, estiveram em exibição até 1974.
A
partir da década de 1940, houve apelos esporádicos pela devolução dos seus
restos mortais, mas o caso só ganhou relevância após o biólogo norte-americano
Stephen Jay Gould ter pubicado The Hottentot Venus na década de 1980.
Quando
se tornou presidente da República da África do Sul, Nelson Mandela requereu
formalmente à França a devolução dos restos mortais de Saartjie Baartman. Após
inúmeros debates e trâmites legais, a Assembléia Nacional francesa acedeu ao
pedido em 6 de Março de 2002.
Os
restos mortais de Sarah Baartman foram inumados na sua terra natal, Gamtoos
Valley, a 3 de Maio de 2002.
Até para devolveres pequenas partes de seu corpo relutaram... Que absurdo.
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